quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Cisne Negro e nossa caixa de pandora pessoal


Nesse último domingo fui me refugiar do calor no que conheço como sendo o ar condicionado mais potente da cidade. Maldade reduzir aquilo tudo ao benefício do frescor, mas a verdade é que, mais do que ver filme, estava querendo sumir do calor das duas da tarde que anda assolando Belo Horizonte. 
Acho que estava com humor de assistir "Você vai conhecer o homem da sua vida", ou até mesmo "O Turista" - este, aliás, partindo da premissa da comédia, rende boas gargalhadas. Mas escolhi o muito mais denso "Cisne Negro" . 
O ano de estudo de balé rendeu a Natalie Portman uma atuação incrível, para um leigo ela passa como bailarina do Bolshoi (ou do Balé de Nova Iorque). As cenas em que seu distúrbio psicológico vêm a tona  são de arrepiar. E não só isso, sua atuação é inteira feLomenal. E angustiante.
Saí do filme com aquela sensação incômoda que vem sempre que mexemos na nossa caixa de pandora pessoal. Questionada por uma amiga, disse que não achei muito bom não. Ela me consolou dizendo que  um sabido do cinema, crítico da Revista Bravo!,  também não tinha gostado tanto assim.
Mas as razões do desconforto que senti com o filme só ficaram claras depois. Com o comentário de um outro amigo, que me mostrou como esse filme é uma grande metáfora da vida. Nossa! Suas palavras vieram como uma facada, e acho que até agora estou pingando.
Nina, a protagonista do filme, é obcecada pelo seu trabalho. Não é que busque fazê-lo bem,  ou se realizar como ser humano em seu ofício. Quer a perfeição (como fim em si mesmo), que em seu caso consiste no papel principal de uma montagem da Cia. de Balé de Nova Iorque.
Seu papel me lembrou de uma menina... Insolente, na escola, ao ganhar 9,5 em 10 num trabalho, perguntou à professora: "O que faltou para tirar 10?". Mais tarde ficou obcecada com o famigerado CENTO num esame di stato (a grossíssimo modo, um vestibular italiano), a ponto de chorar depois do esame pelo medo de, talvez, ter ficado com 98 (freak, I know). Finalmente, quando chegou no vestibular ela entendeu que não precisava de passar no primeiro lugar, mas mesmo assim estudou bem mais do que a conta (quantas tardes de sol enfurnada em vão!), e conseguiu uma colocação que, sim, acariciou seu ego. 
Acho que a obsessão estranha dessa menina pelo sucesso acadêmico é bastante corriqueira no mundo adulto. Muitas vezes deseja-se o sucesso (profissional, financeiro) sem saber bem o porque, sucesso como fim em si mesmo. E, pior, a paixão pelo ofício some do horizonte, e um se pega perplexo pensando, - Será que eu nasci pra isso? -Nossa, como fulano é apaixonado pelo seu trabalho.... (e eu não).
É a hora de rever tudo, lembrar o que é que te trouxe pra onde você está, se veio com a manada ou se escolheu, porque faz aquilo, e, principalmente, viver e trabalhar com paixão.
Aquele amigo me lembrou que a gente não pode ocupar a vida fazendo uma coisa que não nos toca, nos traz sentido, nos plenipotencializa como ser humano. No  meu caso, fazer justiça? despertar as pessoas para um mundo que um dia me mostraram? Ando pensando.
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Aprecio a forma culta da língua. É tão gostoso conversar com gente que descreve e se expressa com precisão, e se vale de palavras que a tanto tempo a gente não ouvia, ou que nunca ouviu. E se agora passo a adotar uns "pra", "num", "dinovo", "dinada", não significa falta de amor com o portugês, e sim expressão do meu mineirês, busca de sonoridade, e constatação de que a língua vai mudando mesmo. (Mas, por enquanto, evito o "vc").